São Paulo, 07 de Maio de 2022

“Do fogão para mesa! Textos escritos no calor da emoção!”
Onde mora o mal? Ele se justifica de alguma forma? Ele se personifica?
Conhecendo uma nova sala de teatro em São Paulo, situada no subsolo do MASP, tive a oportunidade, mais uma vez gratuitamente, de me deliciar com textos inteligentes e interpretações excelentes.
“Diabinho e outras peças curtas”, de Caryl Churchill (sinopse oficial ao final da crítica) traz um conjunto de quatro pequenas peças sem conexão direta, sem repetição de personagens ou qualquer correlação entre elas. Mas que carregam consigo um grau de subjetividade dentro dos meandres da maldade, da morte e da finitude.
Desta vez, um dos astros em cena era a iluminação. A direção e a cenografia entregaram uma grande responsabilidade à equipe de iluminação, que transformou as luzes em um sétimo ator em cena. Em cada uma das peças novos focos, novas cores, novos fachos criavam uma atmosfera diferente, cortando cenas, montando arcos, criando ritmo.
Nas histórias somos apresentados à personagens complexos. De uma garota de vidro e sua complexidade em se relacionar, passando por um “deus” que guarda as “fúrias” humanas em uma caixa e narra a idiotice da ganância pela posse justificada pelo injustificável, seguido da futilidade ébria de quatro amigos sobre a descoberta de um quinto amigo ser um serial killer e encerrando com uma deliciosa história que se desenrola dentro do apartamento de dois primos de mais de 60 anos, uma sobrinha recém órfã, um sem teto e um “diabinho”.
Em cada ato, em cada peça, entre uma fala e outra, entre a troca de cena, de iluminação, de posição e de ato, nos aprofundamos nas dores, dúvidas, medos e realismo de cada personagem. Chega a ser estranho como damos risada de situações tão terríveis se contadas de uma forma que te induz ao riso.
Confesso que só fui perceber a conexão entre as histórias (no meu ponto de vista) na terceira peça. A quarta foi um deleite, onde a risada correu solta para aliviar tantas dúvidas e tristeza que os personagens traziam em si mesmos.
Ao final, acredito que todos tenhamos a maldade dentro de nós. E é a situação que faz com que ela apareça, de forma mais clara ou sutil, cômica ou cruel.
Todos somos garrafas com nossos diabinhos dentro.
SERVIÇO
Diabinho e outras peças curtas de Caryl Churchill.
De 15/04 a 05/06 no teatro do MASP – Av. Paulista, 1578.
Sextas e sábados 20h30 e domingos 19h.
Ingressos trocados pela doação de 1 kg de alimento não perecível.
Início da distribuição 1h antes do início do espetáculo.
Sinopse:
Quatro peças curtas da renomada dramaturga britânica Caryl Churchill. “Vidro”, a primeira, é a história de uma menina feita de vidro que se depara com a questão da fragilidade imposta a ela pela sociedade. Em “Matar” os deuses discorrem com ironia sobre os mitos gregos, questionando sobre sua responsabilidade nos atos de violência históricos praticados pelos seres humanos. Em “Barba Azul” um grupo de amigos se reúne para beber, numa conversa divertida sobre seu amigo de longa data, recentemente condenado pelo assassinato de suas esposas. “Diabinho”, a última das histórias, brinca com a questão da crença ao apresentar personagens que estão o tempo todo afirmando e também duvidando da existência de algo que vai além da sua compreensão – como a presença de um diabinho dentro de uma garrafa.