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BRILHO AO MAR

São Paulo, 20 de Março de 2022

Antes do primeiro raio de sol, ele já estava lá. Sentia a brisa leve em seu rosto. As gotas do sereno tocavam sua face antes que a luz do dia tocasse seus olhos. Sentia-se vivo. Sentia-se feliz pelo que fazia, pelo que vivia, pela oportunidade que tinha, pela vida que escolheu.

Todos os dias no cais do porto, ele olhava para o mar logo ao amanhecer. O brilho no mar sem ondas, em um momento de calmaria plena e serena na maré baixa.  

Vestia sua roupa, entrava em seu barco, o qual lhe aguardava em um suave balanço, com as pequenas ondulações da água batendo em suas desbotadas cores azul, vermelha e branca pintadas no velho casco de madeira.

Todos os dias partia no mesmo horário. O som constante do motor a diesel fundia-se a outras dezenas de pequenas embarcações como em uma sinfonia de metais, um “tuc-tuc” ritmado. Todos partiam ao mar no mesmo propósito, a busca do sustento e alimento para suas famílias e para as centenas de famílias que comprariam seus peixes e frutos do mar na beira do cais.  

Todos tinham sua área de pesca, sua rota e seu destino. E todos os dias, no meio do oceano, em mar aberto, havia um ponto, um específico ponto, onde algo brilhava abaixo do espelho d´agua. Era encantador. Aquele brilho lhe atraia, lhe chamava, implorava para que ele fosse atrás.

Mas ele resistia. O mar é traiçoeiro. Era impossível saber o quão fundo estava naquele ponto. Não tinha equipamento de mergulho e não saberia por quanto tempo precisaria segurar o ar.  E o brilho durava apenas alguns segundos. Se ele não passasse no mesmo horário, se não estivesse um dia ensolarado, ele não veria o brilho.

E assim ele continuava sua pesca, todos os dias, voltando ao cais do porto com seu pequeno barco cheio das mais variadas espécies de peixes que ainda saltavam na proa tentando voltar ao mar.

Porem, dia após dia, seu encanto pelo brilho tornara-se maior. Se o dia amanhecia nublado, chuvoso, se algo lhe atrasava, sabia que não veria o brilho que tanto lhe encantava. Podia ser uma pedra, um pedaço de metal, uma concha, um tesouro, uma sereia. Sua fantasia o levava à loucura pensando o que poderia ser e se poderia chegar até ele.

Ele sabia dos riscos, mas o encanto era demasiadamente grande. Tinha que tomar uma decisão. Conviver com o brilho a distância sempre apenas a admirá-lo ou se jogar ao mar, arriscar tudo sem saber o que encontraria, nem se sobreviveria.

Sua mente não o deixaria em paz. Não era suficiente. Precisava correr o risco. Precisava saber o que era, mesmo que lhe tirasse a vida na tentativa. Seria melhor que viver com o medo, a dúvida e a angústia. Resolveu que iria saltar. Assim que avistasse o brilho, mergulharia e nadaria o mais rápido que pudesse na intenção de encontrar, seja lá o que fosse.

O dia estava calmo, limpo e ensolarado. Mas o brilho estava em alto mar. E do cais do porto até lá percorria mais de uma hora de mar aberto. Tempo mais que suficiente para Netuno lhe mostrar que o mar não está lá para ser comandando, mas para comandar. Chegou ao ponto no exato momento em que precisava e viu o brilho. Mas os ventos mudaram. Uma corrente de ar frio do oceano chocou-se violentamente com o ar quente da costa daquele belo dia de verão. A tempestade rapidamente se formou, sem tempo para que ele pudesse voltar à costa.

Perdeu todo senso de direção. Não via a costa, não avistava outros barcos, não havia uma referência para lhe guiar. Contra toda a lógica, o brilho permaneceu reluzente. Ele amarrou uma corda em seu pé, amarrou a outra ponta no barco e se jogou na água. As ondas eram demasiadamente altas e fortes. O mar revolto jogava o barco de um lado para outro. A água invadia da popa à proa. Estava à deriva, sob a fúria do oceano, que foi implacável. Seu pequeno barco sucumbiu a tormenta, partindo-se em pedaços ainda com ele amarrado e mergulhado no mar profundo.

Sentiu um leve toque em sua face. Abriu vagarosamente os olhos, ainda completamente desnorteado, e percebeu que estava na praia, próximo ao cais. Havia pedaços de seu barco por todos os lados, que brilhavam com o sol que reluzia novamente no céu.

Percebeu que não estava só. O toque que sentira era de uma linda moça que o encontrou desacordado. Nunca havia visto tal moça antes. Houve uma intensa troca de olhares, e ele desmaiou novamente.

Ao recobrar a consciência estava no pequeno hospital do vilarejo. Mexeu seus braços, pernas e percebeu que estava bem. Passou a mão em seu próprio rosto, Havia um grande corte do lado direito, que com certeza deixaria uma marca, e um enorme galo em sua testa. Mas estava vivo, e isso que importava.

Pouco depois entrou a enfermeira para lhe auxiliar. Ainda recobrando suas forças, tentava se recordar do que havia acontecido e como havia ido para o hospital. Quando a enfermeira se aproximou, olhou para seus olhos e lembrou-se da praia. Não havia sonhado. Não era um anjo. Havia sido encontrando por essa bela moça, nova na cidade. Era seu primeiro dia, e já tivera que auxiliar na operação de resgate, pois dezenas de pescadores haviam sido pegos pela tormenta.

Foram alguns dias no hospital até que tivesse condições de voltar para casa. Mesmo com a tormenta, com a destruição do barco e o risco da perda de sua própria vida, ele não tirou de sua cabeça o brilho que tanto lhe encantava.

Assim que teve condições, alugou um barco e foi ao mar, determinado em ir atrás do brilho. O dia estava calma, o sol brilhando em um lindo céu azul, sem nenhuma nuvem. Chegou na exata hora sobre o local do brilho, determinado a mergulhar. Mas o brilho não estava mais lá. Talvez pela tormenta, pelas ondas, pelo vento, pela fúria de Netuno, seja lá o que estivesse ali, não estava mais.

Uma sensação de completo vazio lhe tomou. Algo que não sabia o que era, nem se poderia ter, movia sua vida. Dava-lhe forças, esperanças, coragem. E agora, nada havia mais ali, a não ser todo o oceano, ao qual ele não conseguia enxergar a beleza e as possibilidades pois estava tomado pela tristeza da perda que algo que nem tivera.  

Virou seu barco e navegou em direção ao cais. Mas decidira fazer um caminho diferente até a praia onde havia sido encontrado.

Assim que avistou novamente o continente, um brilho lhe chamou a atenção. Havia algo que brilhava na areia, e rapidamente se apagou. Ele encheu-se de esperança. Colocou o motor a toda velocidade em direção a praia.

Lá chegando desembarcou e procurou desesperadamente por algo. Nada que brilhasse. Pedra, conchas, pedaços de madeira, mas nada com brilho. Sentou-se na areia, abraçou suas pernas e chorou baixinho.

Sentiu novamente um toque, dessa vez em seus cabelos cheios de areia. Ao levantar a cabeça lá estava novamente a moça que o socorrera, em um lindo vestido florido de tecido bem leve. Ela usava uma corrente dourada no pescoço e nessa corrente havia um pingente. Uma sereia. E ao bater o sol sobre tal bela peça, um forte brilho refletiu sobre seus olhos, que se encheram de lagrimas. Ele levantou-se e os dois passaram longos minutos abraçados.

Ele nunca mais viu o brilho sob as águas do mar. Sabia havia arriscado sua vida, mas que havia tomado uma decisão. Não poderia passar a vida aguardando. Precisava agir. Precisava arriscar. Ele nunca saberia realmente o que era aquele brilho. Mas entendeu que haviam outros brilhos pelo qual merecia se arriscar.

IMAGEM POR qimono|PIXABAY

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Emma Dee McCabe
Emma Dee McCabe

Author/ Photographer
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