São Paulo, 12 de Julho de 2021

Dentro do barco ele sentia a brisa do vento. Um vento fresco e húmido, que batia na pele como um carinho suave. A tempestade havia passado. Ele permanecia em seu barco, ainda sobre as águas do mar.
No silêncio da imensidão infinita não conseguia ver nenhum destino. Em sua inocência, quando achava que era dono se seu destino, ele tinha planos de navegação. Havia diferentes rotas, diferentes rumos. Achava que iria aonde quisesse. E era tão natural que o mar e ele pareciam um só elemento da natureza.
Doce ilusão.
Ele via apenas a superfície, apenas o espelho d’agua. Todos veem apenas a superfície. As vezes mais azul, as vezes mais verde, as vezes mais cinza. Mas são centenas de metros, até quilômetros abaixo de onde se navega. E enquanto ele achava que juntos estavam indo para algum destino certo, abaixo da superfície correntes marítimas iam em direções variadas, sem que ele pudesse perceber, sem que ele colocasse a mão para senti-las, sem ele nunca ter mergulhado para ser envolto pelo mar.
O mar se redescobriu. Percebeu que havia apenas mais um pequeno barco sobre suas águas, um elemento de sua vastidão. Se reconheceu como sendo o que é, na busca por entender seu tamanho e seu poder.
Ele remava quando havia vento e abria as velas quando o vento soprava. Pescava para se alimentar quando o mar mandava seus cardumes. Dormia tranquilo quando suas águas estavam calmas e se amarrava para dormir quando estavam revoltas. Já não sabia mais seu destino. Muitos eram os portos, muitas eram as correntes. Porem antes da grande tempestade nunca havia percebido que só podia chegar à algum lugar se ele e o mar estivessem de acordo, em uma convivência harmoniosa.
Agora ele apenas navega. É feliz quando o mar manda uma corrente boa, um bom cardume, um lugar calmo para mergulhar, mesmo que seja apenas na superfície para se refrescar por um breve instante. Talvez seja hora dele voltar à terra, atracar em novos portos. Mas não é o seu desejo. Ele ainda acredita que ele e o mar possam descobrir juntos novas formas de navegar, aprender a respeitar suas marés, entender quando a água está fria demais para mergulhar e quando ela está ali, chamando, clara, limpa e resplandecente ao sol.
O mar compreendeu seu tamanho, seu poder. Mas ele ainda é aquele velho capitão, sendo socado pelas grandes ondas e tentando em vão controlá-las.
Talvez precise aprender que ele não é apenas um velho em um barco. Talvez ele esteja olha tudo de forma errada. Ele escuta o bater das ondas no casco e acha que está em um barco. Talvez ele não seja o capitão. Muito menos esteja em um barco.
Talvez ele seja o vento.
Talvez ele também tenha milhares de destinos, milhares de temperaturas, tempestades e brisas em todas as estações. Ele está percebendo que ao se descobrir o vento, e não esse velho timoneiro, não estará mais tocando o mar em um único ponto. Estará tocando o mar em toda sua imensidão. Estará tocando o mar em cada ponto de sua superfície. Mas só ele tocará toda a terra, as montanhas, os edifícios. E só o mar tocará os corais e o fundo do oceano. O mar não chegará a tocar diversas camadas altas da atmosfera e o vento nunca chegará no fundo do oceano.
Mas os peixes pulam da água para o ar. As aves mergulham atrás dos peixes. E as vezes, quantas e quantas vezes, o mar e o ar se encontram e uma dança profunda, de ondas altas e fortes ventos, onde os dois se tornam um só. Um espetáculo intenso, lindo, profundo, incontrolável.
Talvez ele seja o vento. Talvez ele também seja soberano. Talvez o vento e o mar sejam feitos um para o outro, sejam feitos para estarem juntos e em total sincronia, em total cumplicidade, desde que o mar não queira chegar as montanhas e o ar não queria tocar os corais.
Talvez não.
O mar é soberano.
O vento é soberano.
O barco e seu velho capitão, são apenas um elemento minúsculo que precisam deixar de existir para que o mar e vento possam enfim conviver juntos para a eternidade.
Foto por 4311868/Pixabay