São Paulo, 01 de Setembro de 2021

Antonino era uma criança muito gentil, brincalhona, mas muito retraída. Sempre estava com medo de errar, sempre com medo de não agradar seus amigos e seus familiares.
Não tinha muitas companhias. Brincava grande parte do tempo sozinho, e sua criatividade voava. Não queria perder tempo, estava sempre correndo, brincando, pulando, para aproveitar o máximo que podia. E com isso nunca estava vivendo o presente, pois planejava a próxima brincadeira para não perder tempo.
Desde muito cedo ele gostava de ver os pássaros. Olhava para os pássaros voando, cantando, livres e soltos pelo mundo.
Com o tempo percebeu que seus amigos faziam amizade com os pássaros. Os pássaros, lindos e felizes, voavam perto de seus amigos, pousavam em suas cabeças e os faziam felizes. Mas Antonino achava que nunca conseguiria fazer um pássaro ficar perto dele.
Antonino cresceu, e quando jovem um pássaro como ele nunca tinha visto passou a cantar na janela de seu quarto. Um pássaro diferente, com um canto forte, decidido, que lhe passava a segurança que ele não tinha. Um pássaro que sabia voar, sabia procurar comida, sabia rodopiar no ar, sem nunca perder sua beleza.
Antonino se encantou pelo pássaro. E o pássaro se encantou por ele. Antonino percebeu ali a chance que ele sempre sonhou, de construir essa amizade com uma bela ave dos sons de ouro. Dia a dia ele o alimentava. Lhe dava de beber. Deixava uma tigela sempre com água limpa e fresca para que se banhasse. O pássaro também se encantou por Antonino, e começou a segui-lo onde ia.
Antonino não conseguia mais viver sem o pássaro. E o pássaro, encantado pelo carinho de Antonino, foi ficando cada vez mais próximo, voando ao seu lado para poder acompanha-lo onde ia.
Antonino achava que o pássaro bastava para ele. Era tudo que lhe importava, era sua vida, sua alegria, sua motivação. Comprou a mais bela gaiola, com espaço, conforto e beleza. O pássaro estava feliz, pois tinha o carinho incondicional de Antonino o tempo todo, todos os dias e noites.
Antonino fazia de tudo pelo pássaro. Comprava as melhores rações, levava ao veterinário e saia com o pássaro para onde ia, mas sempre dentro de sua gaiola. No princípio o pássaro, de penas coloridas e reluzentes, cantava para todos que se aproximavam de Antonino, em todos os lugares onde iam, de dentro de sua gaiola.
Todos achavam belo o pássaro, lindo seu cantar. Mas sentiam muita pena da bela ave, presa à seu “dono” e dentro de sua espaço confinado. Ninguém tinha coragem de dizer isso à Antonino. E não comentavam na frente da bela ave, pois tinha a impressão pelo seu olhar que ela compreendia o que falavam.
Com o passar do tempo, o belo pássaro começou a se sentir cansado, fraco, sem vontade de cantar. Suas penas perderam o brilho e a cor, seus olhos olhavam para o horizonte fora dos limites da vista humana. Antonino tentou de tudo. Tentou de todas as formas fazer o pássaro voltar a ser feliz, mas de nada adiantou.
Antonino saia sozinho as vezes, mas sempre apressado para voltar logo para casa, preocupado que esteja com sua ave. Nunca estava em paz, pois queria estar perto, queria zelar pela sua amada ave. E ela só queria ficar ali, quieta, em seu canto, dentro de sua gaiola dourada.
Um dia, a gaiola abriu sem que Antonino percebesse. O pássaro ficou ali, imóvel, pois não sabia o que fazer. Viu que a gaiola estava aberta, mas manteve a portinha encostada. Quando Antonino não estava por perto, o pássaro começou a cantar baixinho, e os outros pássaros soltos nas árvores começaram a lhe responder.
O pássaro lembrou que existia vida do lado de fora da gaiola. Os pássaros das árvores e do céu começaram a chamá-lo para voar. Ele tinha medo. Não confiava que podia voar. Não sabia o que iria comer. Não sabia nem como cantar.
Um dia Antonino estava sentado em sua poltrona quando escutou a gaiola abrir e seu lindo pássaro cantar alto, forte, e sair voando, se debatendo por todos os lados. Bateu na parede, na mesa, no vidro, até que achou uma brecha na janela e voou para o mais longe e o mais alto que conseguiu.
Antonino ficou desesperado. Como aquilo foi acontecer? Como o pássaro pode sair voando? Ele parecia tão fraco! E para onde ele foi? “Ele precisa de mim!” repetia Antonino para si mesmo, quando na verdade quem precisava do pássaro era ele.
O pássaro voltou. Antonino era só alegria, achou que aquilo era o renascimento de sua alegria com a alegria do seu pássaro. Mas o pássaro não consegui mais viver na gaiola. Ele tinha visto os outros pássaros. Tinha voado novamente. Se sentia fraco, cansado, mas sabia que podia voar, que podia cantar, que podia viver novamente no céu, nas árvores, rodeado de outros pássaros.
Antonino, aos pouco, começou a entender onde havia errado. Ela passou anos com medo de nunca “ter” um pássaro que cantasse para ele como via os pássaros cantar para seus amigos. Seu medo que o pássaro voasse e não voltasse fez com que ele o prendesse na gaiola. E por pouco ele não matou seu amigo de tristeza. Para Antonino seu pássaro na gaiola de ouro é o que mais lhe importava. Achava que bastava ter o pássaro para ser feliz. Mas as aves nasceram para voar, para serem livres. O pássaro, aos poucos, com muito esforço, foi tomando coragem, voltando a cantar, a ter brilho nas penas e a voar alto, longe e feliz.
Antonino agora olhava pela janela. O pássaro que um dia chamou de “seu” agora era do mundo novamente. Como todos os pássaros devem ser, livres, vivendo a imensidão dos céus à sua disposição.
Ilustração por ArtsyBee|Pixabay